Amanda Aparecida de Oliveira 3° ano A EM

Escola SESI de Salto – CE 125
III Eixo Integrador de Ciências Humanas
De olho no futuro
Crônica

Resignação Trabalhista
Olheiras profundas. Antes de o despertador tocar, os olhos gélidos já fitavam o escuro teto de seu quarto. Ele toca, mecanicamente, o corpo se levanta e caminha para escovar seus dentes. No espelho, a imagem cansada passa despercebida, sua mente está nublada, repassando tudo que terá que fazer ao colocar os pés no seu local de trabalho. Na cozinha, a água é colocada para esquentar, enquanto veste sua “casca”. Roupas alinhadas, bem passadas, limpas, monocromática, nude, padrão, sem graça e outros adjetivos que prefiro não narrar.
De estômago cheio, alma vazia, gira o trinco, caminha para seu carro e no silêncio de buzinas, segue seu caminho. No harmonioso trânsito, para ao lado de um ônibus lotado (ou senzala em movimento?). Quase consegue enxergar as pessoas, ele quer, tenta, raciocina, se esforça, mas como enxergar o outro, se sua própria imagem é turva no espelho? Volta a focar na bela fileira de transportes a sua frente, repassando mais uma vez todas as suas tarefas.
Ao adentrar no recinto, já é recebido pelo caloroso som dos teclados, dos papéis e impressoras. Senta-se e logo começa a produzir sua própria sinfonia. As horas se passam e quando repara, seu horário de pausa já passou, observa seus colegas e sente que está lento em seu ritmo, talvez devesse adiantar um pouco as coisas, antes de se alimentar. As canções vão perdendo volume e apenas o tintilar de seus dedos são ouvidos e só se vê a luz de seu computador acesa na imensa seção.
O último click é dado e a última folha do dia impressa. Observa a imensa pilha de folhas e suspira. “ Talvez você devesse ser promovido por seu esforço”, uma forte voz o assusta no escuro, se acalma ao ver seu chefe parado na porta e sua resposta é apenas um sorriso cansado. “ Até amanhã”, ele acena e entra no seu automóvel. Segue para sua casa em silêncio, apenas o som de sua cansada respiração e o ruído do motor. Gira o trinco, entra em casa, suspira, retira sua ”casca”. Prepara o alimento, seu estômago, agora, reclama a falta da pausa para o almoço. Se alimenta, liga a televisão e viaja em pensamento. Sozinho, sente falta de seus pais, da comida pronta, do cheirinho de feijão da mamãe, de sair com os amigos, rir com os primos, não ter responsabilidades e sonhar ser um artista. “ Besteira” seu consciente diz, ele suspira e desliga o aparelho televisivo.
Deitado, encara o teto escuro de seu quarto. E mais uma vez, solta um suspiro cansado. Os olhos se fecham lentamente e logo se abrem, antes do despertador tocar. “ Promovido, esse é meu objetivo. Tenho que ser bem mais produtivo, pois quando conseguir, terei mais para fazer”. O despertador toca e mecanicamente o corpo se levanta.

Comentários

  1. Comovente narrativa acerca do vazio existencial provocado por uma vida de trabalho aparentemente sem sentido. Muito orgulho de conviver com mentes brilhantes e criativas, que conferem tamanho significado ao nosso trabalho com suas excelentes produções.

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  2. Minha "Mandita" linda.....como a captação do cotidiano nos escapa aos olhos.....a mecânica da realidade fica tão intrínseca quando vista de fora....tentamos deixar os padrões da vida, ditada pelos controles das matrix e nós mesmos não percebemos os padrões que se repetem dia após dia.....ótima reflexão de quanto nós estamos condicionados e robotizados nessa experiência terrena.....e nos esquecemos do mais importante que é simplesmente viver.

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