Mayara Borgonovi
Escola Sesi de Salto – CE125
Categoria III
Crônica
O trabalhador satisfeito
O sol banha os telhados da pequena cidade,
arrancando dos doces braços de Morfeu homens e mulheres, anunciando uma nova
semana que se inicia. Uma nova chance para o lucro do patrão, uma nova chance
para a servidão.
Ricardo, como todo cidadão, levanta-se oblíquo
de sua submissão, seus pés tocam o frio ladrilho, o corpo é franzino e os
pensamentos sempre sonolentos, esfumaçados pela omissão da razão, que nunca fora
lhe entregue pelo Estado. Mas, afinal, o que era o Estado? Nada importante, o Estado,
seja aquele com letra maiúscula ou minúscula, não coloca comida rala na mesa,
não veste as crianças com roupas gastas e usadas, não paga as contas de água e
energia – a de telefone, só no mês que vem.
A esposa o espera ao pé da mesa, o café da
manhã de hoje é o mesmo de ontem e da semana anterior, a caixa de leite e o pão
duro umedecido com a manteiga com que a Dona Maria presenteou a família. Comida
pouca, sim senhor, mas ainda comida, muito mais do que tinha aqueles que
Ricardo observava, estirados pela rua. O homem sempre se perguntava como
poderia tal coisa existir, o desemprego estava diminuindo, prometia o homem
imponente na televisão, então como era possível que aquelas pessoas não
tivessem um emprego, de qualquer tipo?
Ricardo apiedava-se daqueles que não possuíam
as mesmas excelentes oportunidades que ele.
Não possuíam um emprego que lhes permitia trabalhar dez horas diárias –
oito aos fins de semana – recebendo setecentos
reais ao fim do mês! Ou mesmo um patrão tão generoso quanto o seu, que o
deixava folgar três vezes ao ano e ainda lhe garantia dez dias de férias
anuais. Poxa, como podiam aqueles residentes do ar livre, não encontrarem uma
vaga de emprego quando ele, Ricardo, possuía duas?!
Outra coisa que não entrava em sua cabeça, era
a revolta de alguns de seus colegas com o governo. “O salário não dá pra nada”
dizia um, batendo os punhos na mesa de almoço, “A escola das crianças não
ensina, meus filhos mal sabem ler e escrever o próprio nome”, “E a saúde? Fique
doze horas numa fila com a minha mãezinha”. Ricardo não compreendia aquelas
constantes cismas, o dinheiro que recebia todo fim de mês, garantia a comida da
família – duas refeições para cada um dos quatro, às vezes uma se a carne
estivesse um pouco mais cara-, que não precisava ser muita, eram todos bem
magros; nem Ricardo ou sua esposa sabiam ler ou escrever muito bem, os pais
dele nunca o aprenderam, e mesmo assim, todos sempre trabalharam em serviços
tão bons ou melhores que o dele – o pai ganhava um saco de arroz e outro de
café do patrão, além dos 200 reais pelo trabalho no campo -. Doze horas na fila
de um hospital, era melhor que não ter hospital nenhum!
Havia também aqueles mais jovens e mais
estudados, que falavam sobre greves, sobre a falta de direitos imposta aos
trabalhadores e as injustiças diárias. Igualdade e desigualdade, direitos e
deveres, corrupção, luta de classes e aquele tal de Comismo... Conimus... Comunismo
que trazia horror aos olhos do patrão. Ricardo não entendia a razão para que
todas essas palavras fossem tão importantes para seus colegas ou sua
insistência com elas. Sempre causava problemas, paralisava a fábrica, atrasava
todo o serviço que deveria ser entregue ao final dos dias, semanas e meses, e
sempre acabava com algum pai de família perdendo o emprego.
Ricardo mantinha-se longe desses problemas,
simplesmente fazia seu trabalho, sem questionar ou pensar, apenas seguindo o
que lhe era imposto pelo patrão e, dessa forma, mantinha seu emprego e trazia
comida para família. Era, sim senhor, um feliz trabalhador.
Como sempre um texto muito bem elaborado, com uma crítica social forte, mas sem perde a leveza que é peculiar nas escritas elaboradas por esta autora de grande talento.
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